quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O Décimo Terceiro Apóstolo.


Registe já o leitor, seja qual for a sua condição, classe, casta - ou função - que não venho brincar com assuntos tão sérios como o cristianismo. Faço o aviso porque isto é uma terra de gente susceptível, que preza muito as convicções dos seus avós e tem ainda na memória os bons tempos em que se se celebravam festivos de autos-de-fé, ou aquelas solenes execuções que punham em feriado e movimento uma cidade inteira, como foi o enforcamento do estudante Matos Lobo, em 1942. (Ao leitor curioso,e, como se diz, ávido de emoções fortes, recomendo o relato de António Feliciano de Castilho, publicado na Revista Universal Lisbonense e transcrito por Sampaio Bruno em Os Modernos Publicistas Portugueses: é uma peça fina e bastante provativa da benignidade dos nossos costumes.)
Desviei-me, mas torno à matéria. Repito: não venho brincar com uma religião que em dois mil anos de existência e está fazendo um sério esforço para compreender o terreal mundo em que vive. Acresce que Portugal é uma país maioritériamente cristão, e a liberdade religiosa autorizada por lei não me dá a mim a liberdade de desencadear novas guerras santas. Nem eu queria: sinto-me bem neste ateísmo pacífico, nada belicoso, que é o meu.
Pois nos tempos em que Cristo andou pelo mundo andavam com ele os apóstolos, cujos nomes aqui ficam para quem os esqueceu, ou nunca os soube: Simão Pedro, Iago, filho de Zebedeu, João, André, Filipe, Bartolomeu, Tomé, Mateus, Iago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão Cananeu e Judas Iscariotes. Eram doze, e tirante o último que foi o malvado, andaram depois pelo mundo a pregar a boa nova, a baptizar, a converter os gentios, em suma, a propagar a fé. Foi-lhes dado o poder de falar todas as línguas, de tão miraculosa maneira que as pessoas "os ouviam falar a elas cada uma na sua própria". Se a lembrança dos textos não me falha, todos foram santos, exceto Judas Iscariotes, que se enforcou. A igreja começou a sua história, o por aí tem vindo, a escrever belas páginas e outras menos, entre divisões e cismas, pequenas seitas desviadas do tronco principal, até esta procura de uma unidade diversificada ou, talvez melhor, de uma diversificação unitária, Veremos.
Entretanto, estamos vendo já aqui o décimo terceiro apóstolo. Como os antigos, corre o mundo todo e fala todas as línguas. A par dos métodos que a tradição legou, aplica os novos processos de marketing, utiliza largamente os audiovisuais, incita os continuadores de Miguel Ângelo a desenharem cartazes e os imitadores de Dante a versicularem slogans. O décimo terceiro apóstolo é alto, elegante desportivo, cheira a água-de-colónia, tem as fontes adequadamente grisalhas, a pronúncia saxônica, um pouco ciciada e chama-se Publicidade.
E por que havemos nós de escandalizar-nos? Cada época emprega os meios de que dispõe, quando não os força, como foi o caso já referido do milagre que fez dos apóstolos poliglotas por razões de eficiência. Não nos espante pois que as igrejas do nosso tempo tenham decidido usar os métodos promocionais que deram boas provas na criação de necessidades e satisfação delas, ad majorem sociedade de consumo gloriam.
Em todo o caso (e isto confirma o velho dito de que os cépticos são melindrosos em pontos de religião), causa-me engulhos ver uma cruz a alçada entre grandes anúncios de detergentes e camisas anti-rugas. Como dizia aquela tia velha que não tive, mas que todos tiveram: "Não acho bem." Coitada, já lá está. Poupou-a o benévolo destino a este desgosto.

José Saramago.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Não Sabia Que Era Precisa.


Ao contrário do que afirmam os ingênuos (todos os somos uma vez por outra), não basta dizer a verdade. De pouco ela servirá ao trato das pessoas se não for crível, e talvez até devesse ser essa sua primeira qualidade. A verdade é apenas meio caminho, a outra metade chama-se credibilidade. Por isso há mentiras que passam por verdades, e verdades que são tidas por mentiras.
Esta introdução, pelo seu tom de sermão da quaresma, prometeria uma grave e aguda definição de verdades relativamente absolutas e de mentiras absolutamente relativas. Não é tal. É apenas um modo de me sangrar em saúde, de esquivar acusações, pois, desde já o anúncio, a verdade que hoje trago não é crível. Ora vejamos se isto é história de se acreditar.
O caso passa num sanatório. Abro um parênteses: o escritor português que escolhesse para tema de um romance a vida de sanatório, talvez não viesse a escrever A Montanha Mágica ou O Pavilhão dos Cancerosos, mas deixaria um documento que nos afastaria da interminável ruminação de dois ou três assuntos erótico-sentimentalo-burgueses. Adiante, porém, que esta crônica não é lugar de torneios ou justas literárias. Aqui só fala de simplesas quotidianas, pequenos acontecimentos, leves fantasias - e hoje, para variar, de verdades que parecem mentiras. (Verdades por exemplo, é do doente que entrava para o chuveiro, punha a água a correr, e não se lavava. Durante meses e meses não se lavou. E outras verdades igualmente sujas, rasteiras, monótonas e degradantes).
Mas vamos a história, Lá no sanatório, dizia-me aquele amigo, havia um doente, homem de uns cinquenta anos, que tinha grande dificuldade de andar. A doença pulmonar de que padecia nada tinha que ver com o sofrimento que lhe arrepanhava a cara toda, nem com os suspiros de dor, nem com os trejeitos do corpo.Um dia, até apareceu andando com duas bengalas toscas, a que se amparava, como um inválido. Mas sempre em ais, em gemidos, a queixar-se dos pés, que aquilo era um martírio, que já não podia aguentar.
O meu amigo deu-lhe o óbvio conselho: mostrasse os pés ao médico, talvez fosse reumatismo. O outro abanava a cabeça, quase a chorar, cheio de dó de si mesmo, como se pedisse colo. Então o meu amigo, que lá tinha as suas caladas amarguras e com elas vivia, impactou-se e foi áspero. A atitude deu resultado. Daí a dois dias, o doente dos pés chamou-o e anunciou-lhe que ia mostrá-los ao médico. Mas que antes disso gostaria que o seu bom conselheiro os visse.
E mostrou. As unhas, amarelas, encurvavam-se para baixo, contornavam a cabeça dos dedos e prolongavam-se para dentro, como biqueiras ou dedais córneos. O espetáculo metia nojo, revolvia o estômago. E quando perguntaram a este homem adulto por que não cortava as unhas, que o mal era só esse, respondeu: "Não sabia que era preciso".
As unhas foram cortadas. Cortadas a alicate. Entre elas e cascos de animais a diferença não era grande. No fim de contas (pois não é verdade?), é preciso muito trabalho para manter as diferenças todas, para alargá-las aos poucos, a ver se a gente atinge enfim a humanidade.
Mas de repente acontece uma coisa destas, e ve-mos diante de um nosso semelhante que não sabe que é preciso defendermo-nos todos os dias da degradação. E neste momento não é de unhas que estou a pensar.

José Saramago.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Seria Busca do Lucro Determinando quem Vive ou Apenas mais uma Teoria da Conspiração?

A História que os Livros não contam.



O grande contingente populacional indígena localiza-se, não por
acaso, na Amazônia. Não por acaso, dizem também os que defendem
teorias conspiratórias, como se os índios fossem a ponta de lança de
interesses escusos internacionais. Chegou-se a dizer que se traziam
índios para onde houvesse riquezas minerais. Os índios são mais numerosos
na Amazônia pela simples razão de que grande parte da região
ficou à margem, nos séculos passados, dos surtos econômicos. O que se
prova até pelas exceções: onde houve borracha, por exemplo no Acre, as
populações e as terras indígenas foram duramente atingidas e a maior
parte dos sobreviventes dos grupos pano do Brasil hoje estão em território
peruano. Quanto aos Yanomami, habitam terras altas que até
recentemente não interessavam a ninguém. As populações indígenas
encontram-se hoje onde a predação e a espoliação permitiu que ficassem.
Os grupos da várzea amazônica foram dizimados a partir do século
XVII pelas tropas que saíam em busca de escravos. Incentivou-se a
guerra entre grupos indígenas para obtê-los e procedeu-se a maciços
descimentos de índios destinados a alimentar Belém em mão-de-obra.
No século XVIII, como escrevia em 1757 o jesuíta João Daniel, encontravam-
se nas missões do baixo Amazonas índios de "trinta a quarenta
nações diversas". Alguns grupos apenas foram mantidos nos seus lugares
de origem para que atestassem e defendessem os limites da colonização
portuguesa: foram eles os responsáveis pelas fronteiras atuais da
Amazônia em suas regiões. E o caso dos Macuxi e Wapixana, na Roraima
atual, chamados no século XVIII de muralhas do sertão. O Barão de
Rio Branco e Joaquim Nabuco fundamentaram na presença destes
povos e nas suas relações com os portugueses a reivindicação brasileira
na disputa de limites com a então Guiana inglesa, no início deste século.
E há quem venha agora dizer que os Macuxi se instalaram apenas recentemente
na área Raposa-Serra do Sol! Do ponto de vista da justiça histórica,
é chocante hoje se contestar a conveniência de grupos indígenas
povoarem as fronteiras amazônicas que eles ajudaram a consolidar.

Manuela Carneiro da Cunha.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Troque um Parlamentar por 344 Professores.



Prezado amigo!

Sou professor de Física, de ensino médio de uma escola pública em uma cidade do interior da Bahia e gostaria de expor a você o meu salário bruto mensal: R$650,00

Eu fico com vergonha até de dizer, mas meu salário é R$650,00. Isso mesmo! E olha que eu ganho mais que outros colegas de profissão que não possuem um curso superior como eu e recebem minguados R$440,00. Será que alguém acha que, com um salário assim, a rede de ensino poderá contar com professores competentes e dispostos a ensinar?


Não querendo generalizar, pois ainda existem bons professores lecionando, atualmente a regra é essa: O professor faz de conta que dá aula, o aluno faz de conta que aprende, o Governo faz de conta que paga e a escola aprova o aluno mal preparado.Incrível, mas é a pura verdade! Sinceramente, eu leciono porque sou um idealista e atualmente vejo a profissão como um trabalho social. Mas nessa semana, o soco que tomei na boca do estomago do meu idealismo foi duro!
Descobri que um parlamentar brasileiro custa para o país R$10,2 milhões por ano . São os parlamentares mais caros do mundo. O minuto trabalhado aqui custa ao contribuinte R$11.545.
Na Itália,são gastos com parlamentares R$3,9 milhões, na França, pouco mais de R$2,8 milhões, na Espanha, cada parlamentar custa por ano R$850 mil e na vizinha, Argentina, R$1,3 milhões.
Trocando em miúdos, um parlamentar custa ao país, por baixo, 688 professores com curso superior !
Como você vai votar depois de ler esta matéria?

Maria Ilíria Rossi.

A Teoria do Eterno Retorno.





Dentro de toda complexidade encontrada nas obras do filósofo alemão do século XIX, Friedrich Wilhelm Nietzsche, uma teoria especificamente me chamou a atenção, “A Teoria do Eterno Retorno”.
Segundo Nietzsche, a Teoria do Eterno Retorno aponta que a vida não parte de uma linearidade e sim de uma circunspectividade, sendo assim, não existe renovação e sim eterna repetição dos fatos.
Coincidentemente, podemos notar vários acontecimentos históricos que podem dar fundamentos a essa teoria. No século IV a.C., Sócrates queria implantar uma nova filosofia na sociedade, onde era extremamente necessário o despertar do homem sob o conhecimento de si mesmo (a consciência de que nada sabe), o desapego do material e o zelo do governo democrático grego, primeiramente, pelo povo, filosofia que feria diretamente os interesses da aristocracia regente, resultando em condenação à morte por envenenamento. Em outro momento histórico, temos a própria aparição de Jesus Cristo e a pregação de suas idéias, se apresentando como rei dos Judeus, o que causou novamente grande incômodo na aristocracia da época, resultando, também, em sua morte. Outro acontecimento interessante ocorreu no século XIX, quando, Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), ao defender os ideais da Inconfidência Mineira, também teve que arcar com as consequências da repressão aristocrata portuguesa que governava o Brasil.
Podemos tomar um exemplo mais próximo de nosso dia-a-dia. O relógio de bolso, que entre meados do século XIX e começo do século XX, era muito usado na sociedade, fazendo com que as pessoas utilizassem o gesto de tirar o artefato do bolso da calça para ver as horas. Um ato que, se utilizado hoje, seria considerado antiquado, ultrapassado, mas nem nos damos conta que isso está se repetindo; as pessoas estão cada vez menos usando relógio de pulso e comprando celulares, e quando vão consultar as horas, repetem o mesmo gesto do século XIX de tirar do bolso da calça e consultar as horas. Nada impede que, no futuro, os celulares estejam conectados a relógios de pulso, causando um retrocesso tecnológico, do ponto de vista estético.
Partindo do pressuposto de que não existe uma verdade absoluta e que a história é cíclica, pode-se até discordar dessas idéias, mas havemos de concordar que essa teoria respeita uma idéia de fundamento filosófico.

Marcelo A. O. J. Leite.

sábado, 25 de julho de 2009

O Pessimismo



Seja otimista!
Pense positivo!
Vai dar tudo certo, você vai ver!
Com certeza você já disse essas frases ou ouviu alguém dizê-las. São frases ditas para um indivíduo que demonstra ansiedade e insegurança diante de uma determinada situação, em que há expectativa de êxito, seja no campo da vida sentimental ou profissional.
Podemos dizer que a postura de afirmação, de que devemos pensar positivamente para que as coisas saiam como queremos é uma postura cultural e universal. Em qualquer parte do mundo o otimismo é considerado virtude e o pensamento pessimista seria algo ruim ou até mesmo um pensamento doente. Querem tratar os pessimistas em psicólogos ou psicanalistas.
Para defender a idéia de que o pessimismo pode ser colocado de forma diferente da qual estamos acostumados a enquadrá-lo em nosso dia-dia, recorro a dois grandes nomes do mundo da filosofia, Lucius Annaeus Sêneca (Corduba, Hespânia 4 a.C. - 65 d.C.) e Arthur Schopenhauer (Dazing, Alemanha 1788-1860). Apesar de serem figuras de tempos tão distintos e distantes, ambos os filósofos defendiam um tipo diferente de representação do pessimismo do qual temos em nosso cotidiano. Schopenhauer chega a ser conhecido como o pai do pensamento pessimista e pela possível incompreensão popular de sua filosofia em nossos tempos seria facilmente desprestigiado ou taxado como louco. Sêneca e Schopenhauer trabalharam uma possibilidade de antagonismo no sentido que o pessimismo possa ser, na verdade, a busca da lucidez e da fuga do estado de decepção.
A exigência de nos colocarmos na obrigação de pensar positivamente é tão latente que até adquiriu aspectos supersticiosos, ou seja, o pensamento negativo atrai os resultados negativos gerando um sentimento de derrota e insatisfação. O fato de pensarmos sempre de maneira positiva não nos garante que tudo dará certo.
O otimismo condena-nos a sermos sempre surpreendidos todas as vezes que algo dá errado em nossas vidas; tira-nos a percepção de que a vida nem sempre é de vitória e de satisfação e nos faz perceber isso da maneira mais dolorosa possível. E diante desta situação resta aquela famosa frase: “Deus quis que fosse assim”.
E se nos reeducássemos adotando uma nova postura diante dessa discussão? E se imaginássemos que o pessimismo pode ganhar outras dimensões?
Pense num homem, que diante de suas expectativas se fundamentasse de forma pessimista, ou seja, que deixasse de lado a idéia do êxito, mas pensasse na possibilidade do fracasso. Diante deste novo ângulo na forma de encarar o pessimismo, este homem só será surpreendido por boas notícias, as frustrações não o afligiriam, pois, a possibilidade delas virem a se tornar fato já foram cogitadas. Seria essa a receita mais curta para se alcançar a felicidade? Tenho certeza que não, até porque os pensadores dessa teoria não tiveram uma vida que possamos denominar como feliz.
Este texto não teve a intenção de apresentar fórmulas ou de dizer como se deve pensar ou agir, até por que não faria sentido Sêneca e Schopenhauer criticar uma forma de pensar da qual é, culturalmente, apresentada como verdade e impor outro modelo a ser seguido também como verdade. O objetivo foi o de lançar uma alternativa para que possamos desconstruir uma verdade absoluta sobre a visão que a sociedade tem sobre o pessimismo.
Diante da idéia apresentada, acredito que exista sim o pessimista no sentido da palavra, que faça pensar na possibilidade das coisas resultarem negativamente e ao invés de lutar para alcançar seus objetivos, simplesmente desistem, se abdicam da possibilidade do êxito, esse eu intitulo de pessimista negativista, que, logicamente, não é a quem me referi neste texto e nem de pleunasmo, por mais que possa parecer.

Marcelo A.O.J. Leite.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Os Sonhos não devem durar mais que uma Noite.


Um homem trabalhava 30 anos em uma fábrica.
Depois do seu horário ele saia todos os dias para encontrar com os amigos, com mulheres, ir ao cinema...
Ia para casa e dormia, no dia seguinte ia trabalhar.
Um dia ele faz tudo isso, chega em casa, dorme e tem um sonho.
Era uma nebulosa, não conseguiu perceber o que era.
Acordou, foi trabalhar, fez tudo o que tinha que fazer, voltou para casa e dormiu.
Teve o mesmo sonho e a nebulosa transformou-se em um coração, a formação de um peito juvenil.
Ele acordou, foi trabalhar e já não conversou tanto quando saiu do emprego para ir para casa, dormiu e sonhou o mesmo sonho
Então apareceu um peito de um rapaz, um braço de um rapaz, uma perna e ele acordou.
Foi trabalhar, saiu correndo do trabalho para chegar logo em casa, então dormiu e o sonho continuava.
Apareceu o sexo do rapaz, a cara do rapaz, acordou, foi trabalhar, pediu para sair mais cedo, deixara de ser um grande funcionário e foi correndo para casa, dormiu e sonhou novamente.
Então o garoto no sonho começou a falar.
Acordou, foi trabalhar, pediu para trabalhar só de manhã para poder dormir e sonhar o resto da tarde.
No sonho, começou a conversar com o rapaz, mostrar a cidade para ele, acordou.
Foi na fábrica e pediu demissão apenas para dormir e sonhar.
E conversava com o rapaz, mostrava outras coisas para ele, as mulheres...
Até que um dia o rapaz disse:
-Eu tenho uma namorada, você sabe, eu fui a casa dos pais dela ontem e eles me aceitaram como noivo dela, eles aceitaram que casasse com ela, mas eles só querem uma coisa, eles querem conhecer minha família.Você pode por favor dizer quem é minha família para eu falar para eles?
Então o sonhador pensou - Para eu dizer quem é a família dele vou ter que acordar e procurar a minha.
Então ele acordou e começou a procurar, procurar, procurar, quando de repente, ele se deu conta, que também fazia parte do sonho de um outro.

Jorge Luis Borges.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Sinto vergonha de mim...

Dizer mais o que? O vídeo já disse tudo. Poema de Ruy Barbosa e Cleide Canton.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Valores Positivos.



Em 5 de Maio, o jornal “The Guardian” deu uma notícia que aqui no Brasil, passou desapercebida ou quase. O Home Office (equivalente ao Ministério da Justiça) do Reino Unido publicou uma lista de 16 pessoas que seriam barradas caso tentassem entrar no país. Oito são islamistas pregadores de ódio étnico e terrorismo –nenhuma surpresa. Mas eis que eles aparecem em com companhia de:
Stephen Donald Black, cidadão dos EUA, grande sacerdote do Ku Kux Klan, fundador de “Stormfront”, um fórum on-line para quem defende a supremacia da raça branca;
Eric Gliebe, cidadão dos EUA, neonazista;
Mike Guzovsky, cidadão dos EUA e de Israel, grande admirador da Baruch Goldstein (o qual, 1994, em Hebron,matou 29 muçulmanos que estava rezando em uma mesquita);
Fred Waldron Phelps, pastor batista, e sua filha Shirlei, cidadãos dos EUA, pregadores de uma cruzada contra homossexuais (para eles, a AIDS, as guerras e as catástrofes naturais são punições divinas pela permissividade sexual de nossos tempos);
Artur Ryno e Pavel Skachevsky, cidadão russos, skinheads, conhecidos por filmarem ataques contra minorias étnicas (imigrantes, armênios etc.) e disponibilizar os filmes na internet para o “prazer” de seus acólitos (ambos atualmente na cadeia pelo assassinato de duas dezenas de pessoas);
Michael Savage, cidadão dos EUA, radialista que passa seu tempo no ar fomentando raiva étnica, religiosa e política (Savage ficou na minha memória por defender a idéia de que o autismo é manha de criança que não levou todos os tabefes que merecia).
A própria ministra do Interior, Jacqui Smith, explicou a razão pela qual decidiu publicar a lista dos indesejáveis: “Se você não pode viver segundo as regras, os padrões e os valores que contam em nossa vida, nós excluiremos de nosso país e, mais importante, tornaremos público o nome dos que barramos”.
Adoraria assistir a um debate entre Jacqui Smith e um juiz da Corte Suprema dos EUA, mesmo conservador, diria que não podemos nunca persefuir uma opinião ou uma fé. Eventualmente, podemos perseguir os atos criminosos que essa opinião estimula, mas não a opinião como tal, visto que a lei nos governa garante a liberdade de pensar e de se expressar.
Tudo bem, mas a decisão de Jacqui Smith não é tanto jurídica quanto moral: a liberdade de pensar e de se expressar, bem antes de ser uma lei, é um valor positivo de nossa cultura, ou seja, um valor que devemos defender assim como defenderíamos a nossa fé ou nossa tradição se vivêssemos numa sociedade tradicional e religiosa.
Na hipotética posição do juiz, a modernidade ocidental poderia ser uma sociedade sem valores positivos; ela seria regida apenas por leis, que, no caso, permitem que cada um pregue o que quiser –inclusive que ele pregue contra as leis que governam nossa consciência. Na posição de Smith, contrariamente ao que afirmam os apóstolos de nossa “decadência moral”, a modernidade é uma sociedade rica em valores positivos. Nela, o respeito por esses valores é condição básica para ser cidadão; e o desrespeito é a marca do inimigo –assim como, numa sociedade tradicional, é inimigo quem pensa e professa de maneira diferente da tribo.
Outra diferença entre as duas posições é que, no primeiro caso, é quase impossível reconhecer adversários; um mito de paz universal surge como colorário do princípio legal pelo qual toda diferença é permitida. Nessa posição, somos avessos a conflitos e, eventualmente, combatentes envergonhados: combater contra quem, se, por lei, todos podem ser “dos nossos”?
No segundo caso, é fácil responder a essa pergunta: trata-se se combater contra quem, de fato, não é “dos nossos”, ou seja, contra quem é inimigo dos nossos valores.
Como me situo? Pois é, muitos anos atrás, militei no favor da idéia que os partidos com vocação totalitária devem ser proibidos numa democracia que eles tem o intento de abolir.
A lista de Jacqui Smith me tocou. Ela mostra que, para reconhecer valores que valem a pena defender, não é necessário se identificar com um grupo ou uma facção: nossa cultura basta e sobra.
Além disso, a litura da lista me fez pensar em minha tia Rosália, que sempre me dizia: ”A inteligência humana tem limites; a estupidez não tem”.

Contardo Calligaris – Folha de São Paulo – 14/05/2009.

Trecho de: "O Homem Cordial".



No “homem cordial”, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente em viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em todas as circunstâncias da existência. Sua maneira de expansão para com os outros reduz o indivíduo, cada vez mais, à parcela social, periférica,que no brasileiro- como o bom americano-tende a ser a que mais importa. Ela antes é um viver nos outros.Foi a esse tipo de humano que se dirigiu Nietzsche,quando disse: “Vosso mau amor de voz mesmos vos faz do isolamento um cativeiro”.

Sérgio Buarque de Holanda.

Pensando o Trabalhador no Brasil.






Para entender a forma de pensar do trabalhador brasileiro vou procurar mostrar um pouco da nossa formação social, para isso, busquei informações no livro “Raízes do Brasil”, obra que considero leitura obrigatória para todo brasileiro, escrita por Sérgio Buarque de Holanda um dos grandes nomes da historiografia brasileira.
Por influência de conceitos filosóficos de Marx Weber que caracteriza a sociedade como pluralidade de tipos (grupos), diferentemente de Karl Marx que destaca dois grupos na sociedade, a burguesia e o proletariado, Sérgio Buarque usa da dicotomia sobre a pluralidade social apresentada, ou seja, trabalha pares de tipos dentro dos grupos sociais, como por exemplo, trabalho e aventura, método e capricho, rural e urbano, burocracia e caudilhismo, norma impessoal e impulso afetivo, esses pares apresentam nossa estrutura social e política.
Diante desta posição dicotômica dou destaque ao capítulo “Trabalho e Aventura”.
No século XVI boa parte da população portuguesa ainda mantinha tradições medievais, seja no modo de agir ou de pensar, um exemplo claro disso era o respeito da tradição de hierarquia onde os camponeses e nobres casavam sempre com pessoas do mesmo grupo social, talvez, por sofrer ainda forte influência católica. Outros países como Holanda e Alemanha que absorveram o capitalismo movido pelo protestantismo, permitiam maior mobilidade econômica e social.
A partir deste quadro social, destacamos o trabalhador e o aventureiro.
O trabalhador tem em seu pensamento que o trabalho realmente o dignifica, não foge do serviço pesado, apesar, de não haver possibilidade de melhora em sua condição econômica.
O aventureiro era seu oposto, tinha verdadeira repulsa ao trabalho e só fazia qualquer tipo de esforço quando tinha perspectiva de que o resultado seria imediato, seu pensamento era de buscar sempre o caminho mais rápido de alcançar seus objetivos e certamente para ele o trabalho era o mais lento. É justamente esse perfil do português que vai participar das conquistas ultramarinas, inclusive do processo de colonização do Brasil.
O número de riquezas encontradas aqui, lhe deu a idéia de rápida ascensão econômica, obviamente que essas riquezas não estavam tão fáceis de serem extraídas, pois, precisavam de mão-de-obra e devido a sua indisposição para o trabalho e o baixo número da população da metrópole impedia um grande número de imigrados, a escravidão tornou-se então a solução, primeiramente dos indígenas e depois a importação de africanos, afinal, alguém tinha que trabalhar.
Desse espírito aventureiro herdamos o imediatismo, o povo brasileiro tem como verdade absoluta que as coisas demoram a acontecer, tendem a escolher o caminho mais rápido e não o mais trabalhoso, “estudar demora muito e eu preciso comprar um carro amanhã...”, ou a frase que escutei outro dia de um amigo, “me considero um vagabundo não praticante”, demonstra o desapego e a alusão ao trabalho, levando seu ofício puramente como obrigação.
É certo que em tempos modernos podemos culpar outros fatores que façam com que as pessoas tenham esse pensamento, transportes lotados, distância, salários baixos e baixa qualidade de vida.
Sabemos que o ano de 1888 marca o fim de muitos anos de trabalho compulsório no Brasil, fomos os últimos a abolir a escravidão no mundo. A verdade é que as nossas elites nunca deixaram de utilizar este tipo de trabalho, a escravidão ainda se propaga, apenas mudou de aspecto, e denomina-se “escravidão moderna”, uma escravidão psicológica, que mantém encarcerado o poder de reflexão do trabalhador e o isola em um sistema que o impossibilita de enxergar a realidade que o cerca, fazendo nascer-lhe um sentimento de “ta ruim, mas tá bom”, “pinga, mas, não falta”. Apesar de parecer antagônico ao sentimento de não gostar do trabalho por não levá-lo a lugar algum, os dois pontos acabam se tornando uma realidade, e antes que eu me esqueça o castigo a base de chicotadas ainda vigora, mas agora em forma de salário mínimo.