
Em 5 de Maio, o jornal “The Guardian” deu uma notícia que aqui no Brasil, passou desapercebida ou quase. O Home Office (equivalente ao Ministério da Justiça) do Reino Unido publicou uma lista de 16 pessoas que seriam barradas caso tentassem entrar no país. Oito são islamistas pregadores de ódio étnico e terrorismo –nenhuma surpresa. Mas eis que eles aparecem em com companhia de:
Stephen Donald Black, cidadão dos EUA, grande sacerdote do Ku Kux Klan, fundador de “Stormfront”, um fórum on-line para quem defende a supremacia da raça branca;
Eric Gliebe, cidadão dos EUA, neonazista;
Mike Guzovsky, cidadão dos EUA e de Israel, grande admirador da Baruch Goldstein (o qual, 1994, em Hebron,matou 29 muçulmanos que estava rezando em uma mesquita);
Fred Waldron Phelps, pastor batista, e sua filha Shirlei, cidadãos dos EUA, pregadores de uma cruzada contra homossexuais (para eles, a AIDS, as guerras e as catástrofes naturais são punições divinas pela permissividade sexual de nossos tempos);
Artur Ryno e Pavel Skachevsky, cidadão russos, skinheads, conhecidos por filmarem ataques contra minorias étnicas (imigrantes, armênios etc.) e disponibilizar os filmes na internet para o “prazer” de seus acólitos (ambos atualmente na cadeia pelo assassinato de duas dezenas de pessoas);
Michael Savage, cidadão dos EUA, radialista que passa seu tempo no ar fomentando raiva étnica, religiosa e política (Savage ficou na minha memória por defender a idéia de que o autismo é manha de criança que não levou todos os tabefes que merecia).
A própria ministra do Interior, Jacqui Smith, explicou a razão pela qual decidiu publicar a lista dos indesejáveis: “Se você não pode viver segundo as regras, os padrões e os valores que contam em nossa vida, nós excluiremos de nosso país e, mais importante, tornaremos público o nome dos que barramos”.
Adoraria assistir a um debate entre Jacqui Smith e um juiz da Corte Suprema dos EUA, mesmo conservador, diria que não podemos nunca persefuir uma opinião ou uma fé. Eventualmente, podemos perseguir os atos criminosos que essa opinião estimula, mas não a opinião como tal, visto que a lei nos governa garante a liberdade de pensar e de se expressar.
Tudo bem, mas a decisão de Jacqui Smith não é tanto jurídica quanto moral: a liberdade de pensar e de se expressar, bem antes de ser uma lei, é um valor positivo de nossa cultura, ou seja, um valor que devemos defender assim como defenderíamos a nossa fé ou nossa tradição se vivêssemos numa sociedade tradicional e religiosa.
Na hipotética posição do juiz, a modernidade ocidental poderia ser uma sociedade sem valores positivos; ela seria regida apenas por leis, que, no caso, permitem que cada um pregue o que quiser –inclusive que ele pregue contra as leis que governam nossa consciência. Na posição de Smith, contrariamente ao que afirmam os apóstolos de nossa “decadência moral”, a modernidade é uma sociedade rica em valores positivos. Nela, o respeito por esses valores é condição básica para ser cidadão; e o desrespeito é a marca do inimigo –assim como, numa sociedade tradicional, é inimigo quem pensa e professa de maneira diferente da tribo.
Outra diferença entre as duas posições é que, no primeiro caso, é quase impossível reconhecer adversários; um mito de paz universal surge como colorário do princípio legal pelo qual toda diferença é permitida. Nessa posição, somos avessos a conflitos e, eventualmente, combatentes envergonhados: combater contra quem, se, por lei, todos podem ser “dos nossos”?
No segundo caso, é fácil responder a essa pergunta: trata-se se combater contra quem, de fato, não é “dos nossos”, ou seja, contra quem é inimigo dos nossos valores.
Como me situo? Pois é, muitos anos atrás, militei no favor da idéia que os partidos com vocação totalitária devem ser proibidos numa democracia que eles tem o intento de abolir.
A lista de Jacqui Smith me tocou. Ela mostra que, para reconhecer valores que valem a pena defender, não é necessário se identificar com um grupo ou uma facção: nossa cultura basta e sobra.
Além disso, a litura da lista me fez pensar em minha tia Rosália, que sempre me dizia: ”A inteligência humana tem limites; a estupidez não tem”.
Contardo Calligaris – Folha de São Paulo – 14/05/2009.
Nenhum comentário:
Postar um comentário