terça-feira, 8 de outubro de 2013

História ou memória?



Em uma era tão dinâmica, da qual, o avanço tecnológico multiplicou em muitas vezes a velocidade da informação, possibilitou acesso a um contingente que jamais havia sido possível antes. Este fato, apesar das suspeitas levantadas aos meios de comunicação, feitas por críticos destes, sobretudo, ao seu viés elitista, cada indivíduo nunca teve tanta oportunidade de se perceber inserido em um contexto mais amplo que sua rua, seu bairro, sua família e trabalho.
Aviões se chocando contra prédios monumentais, casais jogando criança da janela de apartamento, compra de votos de parlamentares, o time venceu o campeonato deste ano, declínio da inflação, queda nos índices de desemprego. Muitas dessas informações nos geram a sensação de segurança ou insegurança, justiça ou impunidade, felicidade e infelicidade, enfim, melhora ou piora na qualidade de nossas vidas. Sensações essas que uma vez sentidas serão muitas vezes atribuídas a fracassos ou sucessos de governos ou governantes. O passar dos meses, anos e até décadas registrará a mudança dessas sensações e juntamente gerando recordações de um tempo que já foi. Um tempo que ficará marcado como bom ou mau.
Seguindo esta trajetória, imperceptivelmente somos submetidos aos riscos de confundirmos a nossa memória como história. 
A história não se limita as nossas memórias, a história é a ciência que estuda as ações humanas e seu desenvolvimento no tempo, analisando processos, personagens, fatos, para poder compreender melhor as civilizações em seus cotidianos, conflitos, culturas, economias e processos. Para construirmos um conhecimento histórico se faz necessário a utilização da análise de diversas fontes, aplicação de métodos de pesquisa, critérios dos quais viabilizem a construção de uma perspectiva, sem a pretensão de alcançar a verdade, porém, chegar o mais perto possível dela.
Dentro da política, a memória social, baseada nas sensações ou pouca reflexão sobre os fatos abre espaço ao surgimento de uma leitura maniqueísta, ou seja, a formação dos heróis nacionais. No Brasil, muitos exemplos foram registrados na história: Getúlio Vargas “o pai dos pobres”, Jânio Quadros “Varredor da corrupção”, Collor de Mello “caçador de marajás” e até mesmo anti-heróis: Paulo Maluf com o clássico “rouba mas faz”.
O fato é que estes governos, são muitas vezes entendidos por uma quantidade significativa da população como bons ou muito bons, outras vezes nem tanto, gerando nela um sentimento de nostalgia após suas gestões. Para o historiador Peter Burke isso ocorre porque normalmente essas gestões foram antecedidas por outras piores e posteriorizados por governos tanto quanto ruins ou até mais. Sendo assim, políticas populistas e assistencialistas acabam agradando, fortalecendo a “boa impressão” de seus governos, distorcendo a percepção de tais processos vivenciados dando caminhos tortuosos para a formação da memória social.
Por tanto, a memória não pode ser única fonte de pesquisa para historiadores. Ao mesmo tempo, não tenho como intuito desvalorizar importância da memória, ela não pode ser descartada por ter sido vítima de desenganos. Mesmo expostas a equívocos, podem dizer muito sobre como o passado foi absorvido pelas gerações presentes aos acontecimentos.
A questão memória-história é dialética, pois a história é interferida pela memória como ferramenta de pesquisa, como possibilidade, e a história é construtora ou reparadora de sua condição.      




domingo, 14 de julho de 2013

Um ensaio sobre os protestos de junho de 2013.






Apesar de a história estar em constante construção, e de que todo indivíduo é um agente histórico, não é sempre que nos vemos presente diante de um fato envolvendo participação popular em grandes proporções, nas quais possivelmente as crianças estarão vendo em livros daqui a alguns anos. Refiro-me as grandes manifestações populares ocorridas neste mês de Junho de 2013.
Ousar escrever sobre estas grandiosas passeatas que mobilizou centenas de milhares de pessoas em todo o país me faz lembrar o Prefácio da obra Era dos Extremos (Hobsbawn, 1994), em que o autor aponta para a dificuldade ao escrever sobre o período em que vive, por carregarmos em nossa escrita, todo o sentimento e preconceito na análise dos fatos de forma  veemente por conta dos acontecimentos interferirem diretamente em nosso cotidiano.
Neste texto, não pretendo fazer uma análise aprofundada, tão pouco apontar causas e soluções para todos os problemas reivindicados nas ruas do Brasil. Mas traçar um panorama da sequência dos fatos e fazer algumas observações, das quais muitas vezes a velocidade da informação e as novidades diárias sobre o assunto não nos permite dar conta de compreender ao certo o que está acontecendo no País.
O povo havia desacostumado de ver manifestações pelas ruas. Não que elas tenham parado, mas a muito não eram vistas com bons olhos. Perturbadora da paz, atrapalhar o trânsito, impedir a chegada de doentes aos hospitais, trabalhadores de voltar para casa, prejudicar transações comerciais. Inclusive foram argumentos usados pela própria imprensa. Este tipo de posição observada costuma ser muito comum por pessoas que tem a normalidade de sua rotina interrompida por manifestações populares. Porém neste mês de Junho ocorreu algo novo na história do Brasil.
Devido ao anúncio do aumento das tarifas dos ônibus da cidade de São Paulo para R$ 3,20, integrantes do movimento Passe Livre organizaram manifestações nas ruas do centro paulistano exigindo a redução da tarifa. As primeiras passeatas conseguiram juntar aproximadamente de 3 a 5 mil pessoas (segundo estimativas da polícia militar anunciada pela mídia). A composição dessas passeatas foi bem heterogênea. Haviam militantes de partidos de esquerda, grupos anarquistas, estudantes universitários, pessoas que simplesmente apoiavam a causa, jovens, adultos, idosos, partidos de esquerda.  A tentativa de desobstrução das vias resultaram em conflito entre polícia militar e manifestantes. Os meios de comunicação (rádio, tv e jornal), com raras exceções fizeram uma leitura bem tradicional dos fatos. Apresentaram as manifestações como ilegítimas por conta do rastro de destruição deixado na Avenida Paulista. O próprio comentarista político Arnaldo Jabor chegou a chamar os manifestantes de “pequenos burgueses, rebeldes sem causa e vândalos”, declaração facilmente encontrada nas redes sociais. O advogado Eduardo Muylaert, comentarista da TV Cultura, chegou a sugerir que as manifestações fossem feitas no sambódromo, “assim não atrapalhariam ninguém”.
O governo até então pouco se pronunciava ou intransigentemente negava qualquer possibilidade de negociação ou redução das tarifas. Já o movimento convocador das manifestações negava sair das ruas enquanto o aumento não fosse revogado. Isso deixava a situação muito complicada. Se o governo fosse punir, puniria quem? O Movimento Passe Livre se intitula horizontal, isto é, sem líderes (o que também foi alvo de muitas críticas na mídia). Enquanto isso o movimento ganhava força.
Redes sociais! Enquanto a mídia apresentava uma informação um tanto conservadora, na internet circulavam outras versões dos fatos. As causas dos movimentos, a truculência da polícia, o malefício provocado pelo aumento das tarifas, convocação do povo para as ruas, outras indignações sendo expostas. De repente o facebook se tornou uma imensa Ágora cibernética.
O dia 13 de Junho de 2013 foi o dia da “D”. Terceiro dia das manifestações, por volta das 17 horas, os manifestantes se organizavam em frente ao Teatro Municipal na capital paulista. Aproximadamente 15 mil pessoas (segundo estatísticas da Polícia Militar) saíram em passeata no intuito de chegar a Avenida Paulista. No intuito de impedir a passagem e dispersar a grande concentração de pessoas nas ruas, a Tropa de Choque se fez presente disparando tiros com bala de borracha, bombas de efeito moral, spray de pimenta e bombas de gás lacrimogênio. Nesta intervenção os jornalistas presentes flagraram a truculência da polícia, cometendo excessos atingindo manifestantes pacíficos, fotógrafos e jornalistas que ali estavam presentes. A repórter Giuliana Vallone da TV Folha foi uma das profissionais da imprensa que fazia a cobertura, foi gravemente ferida no olho por um disparo de bala de borracha.
Por conta da violência sofrida não mais apenas aos manifestantes, e agora aos jornalistas, no dia 14 de Junho de 2013 as capas de jornais, noticiários da TV e rádio denunciavam todas as atrocidades praticadas pela Polícia Militar do fatídico dia 13 de Junho, dezenas de pessoas presas, outras dezenas hospitalizadas. O comentarista do Jornal da Cultura Carlos Novaes apontou na edição deste mesmo dia que “a polícia não cometeu excessos, ela é treinada para agir exatamente assim, a periferia já está acostumada com este tipo de intervenção”. Definitivamente, a imprensa mudou de posição diante dos fatos. De acusadores de “destruidores da ordem” a mídia começou a “ver” as manifestações de lutas populares legitimamente necessárias, porém, sem vandalismo. Expressão que anda sendo muito utilizada até o presente momento. Teria a mídia realmente se sensibilizado? Há quem defenda a tese de que estão querendo se aproveitar do movimento popular para apoiar uma direita historicamente reacionária neste país, já que o atual governo federal é entendido como esquerda.
Nesta altura as manifestações já pipocavam em muitas capitais e algumas cidades do interior do país. Porto Alegre, Belém do Pará, Belo Horizonte, Salvador, Recife, dentre outras. Algumas delas iniciaram antes de São Paulo. Todas contra o aumento das tarifas dos transporte em suas  respectivas cidades. Em suas reivindicações incluíam desde o fim da corrupção aos altos gastos com a construção de estádios para a Copa do Mundo que será realizada no Brasil em 2014.
Na segunda, 17 de Junho de 2013, o que já era esperado aconteceu. A revolta diante do ocorrido até então fez com que milhares de pessoas saíssem as ruas e apoiar o movimento, que até então parecia ser apenas por vinte centavos revelou-se uma enorme insatisfação não apenas com a violência da polícia, mas por tudo que parece estar errado neste país. O número exato de pessoas que estiveram nas ruas é difícil de afirmar. A imprensa afirma que só em São Paulo cerca de 150 mil pessoas estiveram nas ruas este dia. Fotos tiradas de cima da Avenida Paulista mostravam-na tão cheia quanto a Parada Gay que costuma ter em média 1,5 milhão de pessoas, fora outro contingente tão grande quanto caminhando pela Zona Sul de São Paulo, sem contar as outras cidades pelo Brasil a fora, muitas delas apresentando seus milhares manifestantes.
Neste dia, praticamente nenhuma ocorrência de violência por parte de manifestantes nem por policiais foi registrado. A PM foi orientada pelo governo do estado para não intervir, o que pareceu fortalecer ainda mais o movimento. O contrário ocorreu no Rio de Janeiro (300 mil), muito tumulto, muito confronto, prisões foram observadas. Muitos policiais e manifestantes foram feridos. Até tiro com fuzis foi possível verificar nos telejornais. Neste dia também, foi possível observar a repulsa dos manifestantes pelos partidos políticos que apoiavam o movimento, caracterizando desde então como uma manifestação sem partidos, o que provocou uma grande inquietação na mídia e nas redes sociais levantando questionamentos,  a final de contas, as manifestações eram apartidárias, ou anti-partidárias? Partidos de esquerda envolvidos com lutas sociais a bastante tempo (PSOL, PSTU, PCO, PT, PCB) tiveram seus egos tocados pela posição dos manifestantes.     
Houve outras grandes manifestações durante toda a semana, até que alguns prefeitos de diversas cidades do Brasil anunciaram a redução ou revogação dos aumentos das tarifas.  E enfim, o que parecia impossível se tornou evidente. Na terça feira, 18 de Junho o prefeito e governador de São Paulo Fernando Haddad e Geraldo Alckmin convocaram uma coletiva anunciando a revogação do aumento das passagens de ônibus, trens e metrôs.  
No mesmo dia o movimento Passe Livre convocou a população para a Avenida Paulista na sexta feira, 21 de Junho de 2013, em comemoração a conquista da revogação do aumento das tarifas. Devido a extensão de pautas apontadas por manifestantes em todos os dias de manifestações e do gritos de “NÃ É SÓ POR 0,20 CENTAVOS”, a grande dúvida era, será que as manifestações iriam parar? Não foi o que aconteceu. As manifestações continuaram por boa parte do Brasil, se espalhando por cidades do interior e periferias.
As cidades que sediavam os jogos da Copa das Confederações de Futebol também foram foco dos manifestantes durante todo o período do torneio (coincidindo com o mês de junho). A imprensa noticiou muitos saques em lojas, destruição de imóveis de instituições provadas, carros da imprensa incendiados (como o da Record em São Paulo e SBT, um ônibus da FIFA em Salvador), concessionárias de automóveis em Belo Horizonte e Rio de Janeiro foram invadidas e danificadas. Em Porto Alegre diversos comércios foram arrombados e saqueados. Nestes momentos era difícil detectar o que era manifestação ou crime de fato. 
Neste mesmo dia 21 de Junho, os noticiários mostravam uma quase invasão do Congresso Nacional por milhares de manifestantes em Brasília. Alguns deles atiravam objetos e um coquetel Molotov chegou a principiar um pequeno foco de incêndio. Dias antes (17 de junho), o mesmo Congresso Nacional teve seu teto tomado por manifestantes dando gritos de ordem e cantando o hino nacional e prometendo voltar em dias posteriores.
A força que as manifestações ganharam e o teor de violência explicitada em muitos momentos pressionou a Presidente da República Dilma Roussef a se manifestar fazendo um pronunciamento em cadeia nacional via rádio e televisão se posicionando diante destes dias que foram “quentes”. Ela se colocou sensível aos movimentos dizendo que não poderia se fechar “as fozes que vem das ruas”, pelo menos as de caráter pacífico. Porém, manifestou receio em o país sair dos rumos da democracia por conta da “violência” caracterizados em muitas manifestações. Assumiu compromissos dos quais apontava as seguintes metas:
1º Elaboração de um plano de mobilidade urbana que privilegie o transporte coletivo.
2º 100% dos royalties do Pré-Sal para a educação.
3º Trazer milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do SUS.
4º Receber líderes de associações populares e sindicais para discutir suas pautas e reinvindicações.
5º Reforma política ampla e profunda.
Os dias seguintes foram de grande movimentação no congresso por parte de deputados e senadores. Em um mesmo foram votados e aprovados projetos de leis que durante muitos anos estavam longe de discussão na câmara:
- Derrubada do voto secreto na cassação de mandatos.
- Aprovação da Emenda Constitucional tornando corrupção como crime hediondo.
- Aprova 100% dos Royalties do petróleo para a saúde e educação.
- Revogados o 14º e 15º salário dos congressistas.
Até o Projeto de Emenda Constitucional 37 (PEC 37), que tiraria o poder do judiciário o direito da investigação dos crimes foi revogado, com extrema maioria de votos.
Ainda sim, as manifestações continuam. Não a mesmo vigor, não com a mesma adesão. Porém se descentralizaram ainda mais para as periferias, interiores, categorias trabalhistas como: motoristas de ônibus, médicos, caminhoneiros, sindicalistas. Estradas interrompidas, protestos contra a o aumento e existência dos pedágios.
Diante de tantos fatos recentes, vários pontos se fazem necessário refletir, para começar, desde o Impeachment do ex- presidente Fernando Collor em 1992, não temos manifestações populares de tamanhas proporções, ou seja, em uma história recente do Brasil havíamos perdido este poder de comoção política pelo povo, como se não houvesse nada mais que melhorar no Brasil, pelo menos que dependesse de nossas ações. Nossa participação se restringiu ao voto.
A repercussão das manifestações do dia 13 de Junho em São Paulo devido a maneira violenta e arbitrária da ação da polícia contagiou várias capitais e cidades do interior para também sair as ruas. E então o barulho todo deixou de ser “só por vinte centavos”, como os próprios manifestantes diziam, e passou a apontar a insatisfação com a descrença do povo em relação aos políticos pelas múltiplas denúncias de corrupção diariamente noticiadas pela mídia, a impunidade, a má qualidade dos serviços públicos (em especial saúde, educação, segurança e transporte), propostas de lei como a PEC 37 e a aprovação da suposta Cura Gay pela comissão de Direitos Humanos, presidida pelo Dep. Marcos Feliciano (PSDC), a incredibilidade nas grandes emissoras de TV (em especial Rede Globo), a revolta com os bilionários gastos da reforma dos estádios para a Copa do Mundo de 2014 e outras reivindicações locais em várias cidades do Brasil.     
Os meios de comunicação não oficiais como as redes sociais se mostraram democráticas o suficiente para todos, inclusive os que não foram às ruas, como os que eram contra elas de se manifestar, mas, grandes orquestradores das manifestações, divulgando datas, horários e locais.
Creio que de tudo observado até aqui, é importante destacar que as manifestações nas ruas tinham em sua maioria, jovens de classe média. Porém, foi possível observar uma adesão popularque estiveram presentes nas manifestações muito grande, tanto na TV quanto nas redes sociais. E ao observarem o governo ceder em relação ao aumento das tarifas de ônibus “algo impossível, até então, da Câmara aprovar leis diretamente de interesse popular e a Presidente da República se manifestar prometendo ouvir as “vozes que vem das ruas”, toda ação popular aplicada apresentou um incrível poder pedagógico. Primeiramente por mostrar ao povo que muitas das mudanças esperadas dependem de nossas cobranças e para isso acontecer apenas à união é o caminho. Segundo, os protestos romperam com a mentalidade do próprio povo em muitos momentos conservadora ao observar manifestações populares como “perturbadoras da ordem”. Terceiro, os representantes da República perceberam que o não cumprimento de seu dever pode sim provocar revoltas e por conta disso ter seus privilégios serem postos em risco. Quarto, pela primeira vez os alunos de ensino básico se viram dentro de algo grandioso acontecendo em seu país, o que só era possível verificar nos livros, prato cheio para professores trazerem discussões politizadoras para as salas de aula. Enfim, se até hoje o povo brasileiro era visto como um “burro” amarrado a uma cadeira de plástico, neste mês de junho de 2013 tive a sensação que o “burro” percebeu que a cadeira era de plástico. A questão agora é se essa percepção será momentânea ou não.   



segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A Ditadura do Corpo

http://www.4shared.com/office/dD1iDzqL/A_ditadura_do_corpo__3_.htm

Selecione, copie e cole o link para ler o texto.

domingo, 1 de abril de 2012

Retratos da Leitura no Brasil.

O Instituto Pró-Livro divulga a segunda pesquisa que buscou avaliar diversas questões relacionadas a leitura no Brasil.
Muitos dados importante que podem levantar discussões, dados referenciais para elaborações de projetos que visem buscar caminhos em que busque superar a resistência a leitura das crianças e do povo de uma forma geral.

Deixo o link disponível logo a baixo para possíveis interessados.

http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/dados/anexos/48.pdf

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Professor Luiz Renato Martins apoia a ocupação na USP

Ocupação patética, Reação tenebrosa.



Ao que tudo indica , a ocupação da reitoria da USP foi de fato patrocinada  por grupo de aloprados, que atropelou o rito das assembléias realizadas até então e, num ato de desespero (calculado?), fez fez rolar morro a baixo uma pedra que, aos trancos, deveria ser endereçada para pontos mais altos da discussão.


Uma vez que essa pedra rolou, como se viu, tudo desabou. Absolutamente tudo, o que se nota pela declaração do ministro-candidato-a-prefeito (algo como: bater em viciado pode, em estudante não) e do governador (vamos dar aula de democracia para esses safadinhos), passando pela atitude da própria polícia ( tão aplaudida quanto o caveirão do Bope que arrebenta as favelas), de cinegrafistas (ávidos por flagrar  os “marginais” de camiseta GAP) e de muitos, masmuitos mesmo, cidadãos que só esperavam o ataque aéreo dos japoneses em Pearl Harbor para, em nome da legalidade, arremessarem suas bombas atômicas sobre Hiroshima. 


O episódio, em si isolado, é sintomático em vários aspectos. Primeiro porque mostra que, como outros temas-tabu (questão agrária, aborto...), a discussão sobre a rebeldia estudantil é hoje um convite para o enterro do bom senso. O episódio foi, em todos os seus atos, uma demonstração do que o filósofo e professor da USP Vladimir Safatle chama de pensamento binário do debate nacional – segundo o qual a mente humana, como computadores pré-programados, só suporta a composição “zero” ou “um”. Ou seja: estamos condicionados a um debate que só serve para dividir os argumentos em “a favor” ou “contra”, “aliado” ou “inimigo”.


De uma lado, uma minoria de estudantes que, sim, usa a universidade para o que há de pior na vida pública, como politicagem e ignorância sobre noções básicas de convivência; e que, queira ela ou não, atrai uma nuvem de antipatia dentro da comunidade acadêmica e da opinião pública que contamina qualquer avanço ou reividicação séria, legítima e bem costurada pelos estudantes de fato.

Do outro, uma parcela da opinião pública que jamais suportou qualquer sinal de organização política – seja estudantil, sindical, partidária – e que viu no episódio um pretexto para colocar as garras de fora, cuspir sua raiva e taxar os estudantes, qualquer um que fosse contra a presença da PM no campus, de baderneiro, vagabundo, privilegiado, filhinho de papai, maconheiro e inútil. Porque bater em estudante com o argumento de que não trabalha e, sob as asas dos pais, ainda não sabe como a vida prática é dura é o mais fácil e covarde dos argumentos (como se só os pais de família, que pagam impostos e vão à missa, reunissem as condições necessárias para se graduar em cidadania para reclamar da vida).

A ocupação da reitoria da maior universidade do País deu munição paa que boa parte da opinião pública (inclusive estudantes) testemunhasse, graças à transmissão ao vivo das emissoras, a legitimação de seus desprezos contra estudantes que, diferentemente deles, ainda ousam apontam o dedo para o alto e dizer que alguma coisa está errada.

Originários de uma multidão crescida sob o mito de self made man (“minhas conquistas são fruto do meu próprio trabalho, e o Estado muito ajuda quando não me atrapalha”), muitos usaram canais de manifestação, como as redes sociais, para despejar os argumentos mais covardes contra todo (todo mesmo) universo estudantil, sobretudo o sistema público de ensino, do “bem feito” ao “viva a legalidade”. Como se os ritos democráticos tivessem sido respeitados desde o começo, quando o então governador José Serra (PSDB)  decidiu justamente desprezar a vontade da comunidade acadêmica e nomear Jão Grandino Rodas, o segundo candidato mais votado, para o cargo. Como se fosse legítimo, também, determinar, de cima para baixo, que a PM transferisse para o campus o seu modus operandi. Hoje a bronca, gota d’água de toda a crise, foi por não se poder fumar maconha em paz – sim, é uma discussão menor num país de tantos problemas; sim, pode revelar um desnecessário privilégio a um grupo que não é inimputável; mas sim (e é bom lembrar), existe, e não só na comunidade estudantil, uma questão em torno da descriminalização da droga, que é aceita inclusive em marchas na Paulista.

Mas, em meio às manifestações contrárias aos invasores (que, sim, sabem o que fazem e não poderia descumprir decisão judicial), o que mais estranha não é ver senhores engravatados, os tais cidadãos que trabalham e pagam impostos, pedindo punição exemplar aos “aloprados”. Estes estão preocupados demais em manter o estado das coisas exatamente como está: assim como a polícia é útil na saída da favela, éútil também que ela tome conta de qualquer, mas qualquer mesmo, insurgência estudantil. Para a reitoria, ogovernador   os empresários que querem se apropriar  do espaço público para obter lucros  privados, parece mais que óbvio o interesse em deslegitimar não só as ocupações estapafúrdia, como foi o caso, mas também esmagar a vóz, quçá para sempre, do movimento estudantil.(“Já pensou se eles, como os sem-terra, em vez de se dividir, resolvesem se unir para ir às ruas, pedir condições melhores de vida e de trabalho e, mais tarde, entram no mercado do trabalho já contaminados com ideias subversivas, entre elas a de que a vida não se resume a dinheiro?”)

O que é estranho dessas reações todas de ojerizar aos uspianos é que elas partem de quem muito cedo na vida já se aproximou do discurso dos pais, criados num clima de “Brasil: Ame-o ou Deixe-o” herdado o regime militar; e que, portanto, vêem na obediência, no não-engajamento, na docilidade, na adaptação a um mundo já pronto o único caminho possível para salvar as próprias peles em um  jogo arbitrário de saída. Tenho, para isso, uma tese de botequim: a de que minha geração, nascida em meados dos anos 80 e criada nos anos 90, foi o maior baby boom de bundões que o Brasil já testemunhou; crescemos com meo da violência, das doenças sexualmente transmissíveis e do outro (do faveldo ao muculmano) e, por este motivo, decidimos nos enclausurar em bolsões de segurança (o shopping, a escola particular e os condomínios fechados) para poder nascer e morrer em paz, sem grandes objetivos na vida a não ser aceitá-la. Por isso aceitamos abrir mão de uma relativa liberdade (porque ela nunca é absoluta) para viver em segurança. E se amanhã algum policial resolver matar algum suspeito (ela chama de “meliante”) entre uma aula e outra na FFLCH ou na FEA, paciência, bola pra frente. Faz parte do jogo. Em nome da segurança, aceitamos a diferença de forças em jogo: estudante, quando alopra, compra cerveja e depreda a reitoria; policial, quando alopra, atira. (Em tempo: nem todos os policiais abusam, como nem todos os estudantes invadem; mas a diferença dos estragos proporcionados entre os que, por lei, detêm o monopólio da violência e os que não o detêm é abissal.

O caso de um aluno da faculdade de ciências sociais – curso visto por parte da elite paulista como ponto de irradiação de tumulto tal qual uma ogiva de Mahmoud Ahmadinejad – exemplifica a situação criada com a simples presença da PM no campus:
Em menos de um ano, já foi abordado cinco vezes por policiais. Suspeito de quê não se sabe, e não está cientificamente provada se há perseguição pelo fato de ser negro, mas uma amiga dele, branca, relata: já ouviu de um policial que poderia ser liberada porque não tinha “perfil” de marginal.

Uns aceitam a situação. Outros, pelos métodos certos ou não, resolveram deixar claro que não aceitam. Tudo isso me leva a dizer que eu nutria uma simpatia, ainda que leve, levíssima, aos ingênuos invasores que erraram a hora pensando que fazia história _ até começarem a agredir os repórteres que estavam lá para ouvi-los. Mesmo assim, ainda parecem ser mais interessantes do que os coxinhas que, vestidos como pais, esquecem que um dia foram estudantes e que um dia também pensaram que poderia mudar o mundo. Hoje engolem lama, agradecendo quando lhe chutam as cabeças e dormem pensando ser coerentes aos seus princípios. Ou, como na música, “caminham para a morte pensando em vencer na vida”.

Critique-se o quanto quiser a partidarização de parte do movimento, mas são os estudantes os agentes de uma história que ainda somam coragem e disposição para se organizar e promover discussões e manifestações que, via de regra, apontam caminhos não observáveis por quem, a olhos nus, está atolado nas funções diárias da visão social do trabalho. O empregado tem medo da greve e de perder o emprego; o patrão tem medo de perder o lucro; o governador, o medo de perder o poder. Mas os estudantes estão, em tese, livres das amarras que os impediriam de simplesmente optar por outros caminhos. Isso não deveria ser vergonhoso, nem apontado como privilégio.

O fato é que o rótulo (e a imagem do invasor vestido GAP) pegou bem aos que tem alergia a organizações sociais. Legalidade, insegurança, hipocrisia, racismo, perseguição (ou mania de), erros táticos, partidarização, elitização do ensino, espetacularização da notícia, truculência, tensão... São muitos os ingredientes que fazem do confronto entre estudantes e reitoria/governo paulista um tema complexo, que não poderia jamais descambar para o Fla-Flu. Mas descambou, graças à ação desastrada de um grupo que, agora, se coloca como “perseguidos políticos” – e virou tema de piada, ou pólvora pura para um galão de gasolina reservado por quem nunca deu a mínima par ideais como coletividade, bom senso e democracia.