sexta-feira, 25 de junho de 2010

O MENDIGO E EU.


...17:45hs Hora boa de sair, em 15 minutos o contingente explode, transitar compressa é desviar dos menos velozes, atravessar fora da faixa e até contornar carros e ônibus parados na pista. - Contemplar? Só se for o próximo obstáculo a transpor... um camelô, um poste, um desfilante... é impresionante como quando temos pressa os outros parecem caminhar numa passarela exibindo sua lentidão e inconveniência. Sugiro aqui que faixas de velocidade,tal como avenidas, deveriam ser pintadas também nas calçadas. Ao simóveis e estáticos humanos destinaríamos a faixa de acostamento,garantindo-lhes por cidadania a não invasão de transeuntes. Imagine se uma infinidade de serviços que hoje são disponíveis de forma online não existisse e para isto as pessoas tivessem que sair... emplacariamos o cara e instituiríamos o sistema de rodízio.É muita gente!!!...17:45hs.A sombra de arranha-céus antecipa o fim do dia escondendo os últimos raios de sol. É o primeiro minuto do tempo que eu escolhi não vender. Não há pressa, do Marco Zero à Liberdade e de lá ao Paraíso. O caminho íngreme esculpe o corpo e não gasto com o Metrô. Organizo os pensamentos e vejo pessoas, e ao que parece também sou visto... - Hei irmão firmeza? Dá licença aí... Aproximou-se com as mãos nos bolsos, vestia uma bermuda que ultrapassava os joelhos em comprimento, usava boné e este não escondia o cabelo comprido e despenteado que escorria por uma blusa encardida e escura.Vi sua face que esforçara-se em ser amigável e objetiva ao mesmo tempo e antes que eu pudesse responder ele adiantou sua introdução.- Não irmão, não quero dinheiro não! Só queria rolar uma idéia.- Sem problemas! Então vamos conversar, não vou parar, caminhe comigo! - solicitei Acompanhando-me ao subir a rua ao lado da Catedral da Sé continuou:- Sabe que é, eu moro na rua e...- Putz cara ! Como é que é esse negócio de morarna rua? - perguntei interrompendo-o - Ah é maior veneno, quando tá frio tem que caçar com o que se cobrir, quando tá calor não tem onde tomar um banho. Mas eu queria ver com você...- Há quanto tempo você tá na rua? - perguntei,interrompendo-o novamente. - Três meses véio, é que eu tava preso aí eu saí e tô nessa - desabafou - Putz, todo mundo erra mas te trancam e quando te soltam te largam na vida, na condição de ex-detento pra se virar. -comentei Paramos no farol, aguardando o sinal para atravesarmos até a Liberdade enquanto ele dizia: - Então véio mas o que eu queria ver com você é... você pode pagar um bagulho aí pra eu comer? Tô com maior fome... - pediu-me- Olha só que coisa cara! - chamei sua atenção Ele pareceu curioso.Continuei:-O que é pior? Morar na rua e tá aqui me pedindo uma parada pra comer ou trabalhar o mês inteiro longe da família e não ter um Real no bolso pra te pagar um lanche? - desabafei O homem me olhou estranhamente como se seu pensamento percorresse minha pergunta, produzindo a experiência que eu descrevera. - Ah é melhor trampar né! - voltou de órbita repondendo-me com um sorriso terno.- Enfiar-se num escritório entre quatro paredes e no que te resta do dia meter a mão no bolso e não ter um Real? -queixei-me novamente. Sua feição pareceu encher-se de dúvida e convertia-se a um semblante de solidariedade. Não sei se para me reafirmar ou para aliviá-lo da necessidade de qualquer comentário ou ação, antes que talvez ele tirasse uma moeda do bolso e me oferecesse eu disse: - Trabalhamos pelos outros... a família. - conclui- É... então! - concordou afastando-se- Mas quando eu tiver caso o veja por aí... é nóis! - despedi-me vendo-o descer a rua.No dia seguinte, dia de pagamento, voltei a Pça da Sé por onde passo habitualmente e procurei-o afim de pagar-lhe um lanche, mas não o encontrei... sei lá porque, talvez porque fosse livre e não precisasse permanecer onde não queria.


Alexandre Fernandes