sábado, 6 de agosto de 2011

A Revolta da Vacina.



                                            
A História nos aponta que entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras décadas do século XX, foi um período onde houveram diversas mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais no Brasil.
Se, é clara a participação popular nas independências dos países latino-americanos em decorrência de verdadeiras guerras civis dentro de seus territórios, no Brasil passa por um processo diferente. Segundo a historiadora Emilia Viotti em seu texto, “Da Monarquia a República”, o Brasil, em seu processo de independência, teria ocorrido um golpe de estado proporcionado pela ala militar insatisfeita com os rumos que a monarquia dava ao país e o descaso com a qual se dava ao exército brasileiro. O período no qual durou a Primeira República ( 1889 – 1930), foi o momento em que se deu as transformações, e no decorrer dessas transformações é que vamos perceber a participação popular em momentos de revolta, efetivamente. A nova forma de organização política implantada no país levara o governo e o povo a diversos conflitos com proporções grandiosas, dos quais, seus desfechos sempre se concluíram fazendo valer os interesses das elites burguesas, como a Guerra de Canudos, Revolta da Chibata e a própria Revolta da Vacina.
Procuro aqui, tratar de um desses processos conflituosos dos quais o Brasil passou à custa de muito sangue em nome da “ordem e do progresso”. A Revolta da Vacina. 
Contexto do País até a Revolta da Vacina.
Partindo da abolição da escravidão em 1888, com assinatura da lei Áurea pela princesa Isabel que simplesmente abria as portas das senzalas, mas que não planejou nenhum projeto de inserção social a esses alforriados. Lançara sobre o país um desencadeamento de miséria. Ex- escravos alforriados, sem nunca ter tido acesso a escola, formação profissional e, além de sofrer a com exclusão social e racial que os dispensavam de qualquer reconhecimento de cidadania, são lançados as ruas em busca de sua sobrevivência.
Em seguida, podemos relatar o processo de republicanização do Brasil seguido de diversas crises econômicas que assolaram o povo. José Murilo de Carvalho, em “ A formação das Almas” afirma que este período de nossa história foi influenciado por diversas linhas de pensamentos políticos europeus; o jacobinismo francês, o positivismo de comte, o liberalismo francês e norte-americano. A atuação desses pensamentos  agindo de uma só vez foi observada como “verdadeiro samba do crioulo doido”(Carvalho,1998). Essas linhas de pensamentos se fizeram de certa forma todo o período da República Velha.
A cada fracasso de governos constituídos, tínhamos a disputa do poder por vertentes políticas baseadas nas vias de pensamento citadas a cima. Governos que se iniciaram com o militarismo de Marechal Deodoro da Fonseca e que se seguiu com Floriano Peixoto, e posteriormente com o os governos civis com eleições diretas, apesar de restrita a uma pequena margem da população, leva o país a ser governado por lideranças oligárquicas. Apesar das mudanças, foi mantida a estrutura do status quo, o povo permaneceu mantido em segundo plano. A herança das dívidas  para bancos ingleses acumuladas nos tempos da monarquia são ampliados pelos primeiros governos republicanos. Uma política de combate as dívidas só veio a ser posta em prática no governo de Campos Sales, política que no seu resultado socializava as dívidas gerada por más administrações. A partir desta política de os déficits vão apresentando novos quadros. Os tristes moldes econômicos começam a tomar novos rumos, apesar da lentidão do processo e do alto custo que povo arcaria.
É dentro desse quadro que se apresenta o governo de Rodrigues Alves(1902-1906), período que ocorreu a Revolta da Vacina.  
 A situação da cidade do Rio de Janeiro no governo de Rodrigues Alves e a revolta.
Em 1902, ano que Rodrigues Alves assumiu a presidência, o Distrito Federal apresentava um dos maiores portos da América Latina, porém diversos problemas de infra-estrutura e saneamento básico dificultavam a possibilidade desse porto realizar grandes negócios, ruas estreitas,  falta de lugares para estocar mercadorias e baixa profundidade da água do mar dificultava a aproximação dos navios e a locomoção das mercadorias.  
O Rio de Janeiro precisava das reformas, a busca da modernização era extremamente importante para atrair investidores europeus e americanos, que até então, ao se deparar com a atual situação da cidade carioca, saiam daqui horrorizados com a falta de estrutura da cidade e a ploriferação de epidemias que provocavam no povo intenso sofrimento e morte em proporções alarmantes.
No entanto, Rodrigues Aves adota medidas que levam o Rio ao rumo do “progresso”, a base do “custe o que custar”.
Devido à política anterior, adotada por Campos Sales, na busca de sanar as dívidas públicas ao mesmo tempo levou o povo a miséria, dentro desta classe que sucumbiu neste momento, destacamos ex-escravos, filhos e netos de ex-escravos, imigrantes, nordestinos que vinham para o Rio acreditando nas promessas do progresso, pobres assalariados e pequenos comerciantes. Nicolau Sevcenko afirma em sua obra, “A Revolta da Vacina”, que esta classe é levada ao estado de “vagabundice compusória”(Sevcenko,1993), o governo proporciona o desemprego através dos altos juros, inflação descontrolada, superpopulação na cidade e a falência de diversos estabelecimentos comerciais e depois prende o indivíduo que se encontra na “vadiagem”.
Rodrigues Alves então, nomeia Pereira Passos prefeito do Rio de Janeiro, atrasa as eleições na câmara e deixa a cidade em suas mãos para que realize o mais breve possível a modernização da cidade. Pereira Passos assume um poder quase que ditatorial no Rio de Janeiro, devendo satisfações apenas ao presidente.
Na busca da solução para os problemas de epidemias na qual a cidade se encontrava, o médico e sanitarista Oswaldo Cruz desenvolve a vacina contra a varíola e juntamente com Pereira Passos implanta um programa obrigatório de vacinação.
É neste quadro que a  Revolta da Vacina se apresenta, a situação de grande parte da população em alto nível de pobreza somada com a vacinação obrigatória, sanitaristas invadiam a casa das pessoas, despiam mulheres para a aplicação da vacina em uma época em que a sociedade considerava imoral a exposição dos braços femininos. Outro fator agravante foi as expropriações de casas, famílias eram expulsas de casas e quartos sendo verdadeiramente empurradas para fora do centro da cidade e a perseguição a vagabundice dentro das condições já citadas neste texto foram fatores que levaram a revolta a terríveis proporções.
Diante de todo este quadro, podemos apontar o que talvez fosse o estopim da revolta, a agitação da imprensa de esquerda colocando em dúvida a qualidade da vacina, fazendo com que a população temesse, e se recusasse a tomá-la, levantando diversas críticas ao governo então vigente, e uma esquerda formada por uma ala militar insatisfeitas, ex-monarquistas e jacobinos que se aproveitando de um momento extremamente conturbado para planejar um golpe de estado.
Uma organização lenta e precária faz com que o governo se articule para manter a ordem, e os conflitos nas ruas tomam dimensões grandiosas levando milhares de civis a se levantarem contra as forças da polícia e a ala do exército conservadora, o que os levaram a morte e a prisão. Mesmo fim,  tiveram os que planejaram e tentaram o golpe de estado. Estes conflitos, de certo modo levaram o governo a um risco, mas a situação de caos conseguiu ser controlada pela própria política o levou, a da violência.
A modernização, as obras, o aburguesamento do centro da cidade, a política de exclusão social e de violência a classe menos favorecidas, a revolta popular e as tramas de um golpe foram capítulos que se concluíram com a morte de milhares de pessoas, com a prisão de muitas outras, com envio de prisioneiros para o Acre, para trabalhar na extração de borracha, levados em verdadeiros navios negreiros a base de torturas. Muitos que participaram deste triste evento proporcionados em nossa história, foram morrer bem longe do Rio de Janeiro.
A política de modernização se concretiza com a expulsão em definitivo dos pobres do centro da cidade, que fugidos, foram morar nos morros próximos, a região das favelas nas quais temos hoje em proproções bem maiores.

Nicolau Sevcenko aponta que a capitalização, a cosmopolitização, o aburguesamento “modernizador” foi praticado a todo custo e independentemente do mal que pudesse ser cometido a um povo. Um povo que talvez só fosse considerado povo no momento da arrecadação tributária.
José Murilo de Carvalho levanta a idéia de que a política brasileira sofreu influencias ao mesmo tempo, do positivismo, jacobinismo e liberalismo na primeira república. Mas talvez ele tenha esquecido de uma outra, na qual George Luckas trabalha muito bem no texto,”Um Galileu no Século XX “, a Via Prussiana, que através do totalitarismo implantou mudanças modernizadoras com as perspectivas sempre de cima para baixo na Alemanha do século XIX. Diante disto não seria equivocado nem anacrônico colocar que este meio também tenha sido posto em prática no Brasil.
 Termino esta conclusão com uma fala de Câmara Cascudo em 1919 que retrata bem o que sempre foi a política no Brasil; “ Eu o conheci em 1919, ele morreu em 1921. Passando pela Faculdade de Medicina, ele foi nos visitar. Estava em campanha presidencial, competindo com Epitácio Pessoa. Alguém chegou esbaforido e avisou: “Rui Barbosa vem aí”. Não ficou um estudante na cadeira. Todo mundo arribou, inclusive os professores. A faculdade não existe mais, era na praia Vermelha, na Urca. De volta, tomamos a rua, de braços abertos, e ele teve que parar. Fez um pequeno discurso do automóvel, até hoje eu guardo um trecho na memória: “A política, senhores estudantes, é uma verminose brasileira. Inclina o clarão severo e sinistro, aceita o falsete da voz insidiosa e burla as consciências, falando todos os idiomas da mentira”. Só Rui fazia isso. Efetivamente a mentira é poliglota. Só Rui dizia isso".
                                                                                     




Marcelo A. O. J. Leite.





Bibliografia
  Luckas, George. Um Galilei no Século XX. Faltando dados
  Carvalho, José Murilo. A Formação das Almas. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
  Sevcenko, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo: Editora Scipione, 1993.