Existe um crivo, uma imposição, quando se fala de música e cultura em nossa sociedade. Esse crivo é um tanto quanto falacioso, e se encontra sob a sigla MPB (Música Popular Brasileira). “(...) a MPB se tornou um produto estético capaz de atender ao paladar mais discriminativo da intelligentsia de hoje”.
Não é de hoje que essa relação de poder – se entendermos que existe uma supremacia cultural entre MPB e o que é realmente popular em termos musicais – tem sido alvo de sucessivas desconstruções. O cantor e compositor baiano Raul Seixas, em 1974 cantou o seguinte verso em clara resposta ao movimento tropicália:
Eu já lhe disse que eu não tenho nada a ver
Com a linha evolutiva da música popular brasileira
A única linha que eu conheço
É a linha de empinar uma certa bandeira
Hoje, o mesmo Raul Seixas faz parte desse aperitivo para paladares refinados. Isso porque, segundo muitos teóricos de mesa de bar, o período pós ditadura militar não oferece nada para uma manifestação politizada através da música.
No entanto, este fenômeno é acompanhado por um outro bem característico: a falência do instrumento. No Brasil, o funk carioca é talvez o maior exemplo desses dois fenômenos.
Longe de tentar formular aqui uma critica a esse ritmo musical, creio que é necessário entendê-lo como uma manifestação social. Logo, as criticas a essa manifestação ocultam os preconceitos que marcam ainda, de forma tão severa, a nossa sociedade desde a sua formação até os dias de hoje.
O funk, com sua batida eletrônica e sua letra direta, vem confrontar-se à velha moral católica e cristã... Oferece o grito de liberdade aos que vivem sob um regime de exclusão social. Essa primeira analise é sedutora, mas será podemos encontrar algo mais revirando esse apanhado teórico que já virou lugar comum? Qual a genealogia desse ideal de liberdade amoral? O discurso “funkeiro”, com sua bandeira de “violência” e “sexo sem compromisso” não faria parte da mesma rede histórica daquilo que denuncia e chama de repressão, ou seja, a moral católico-cristã que mantém o monopólio do sexo imaculado dentro das representações do casamento, e a violência policial, que tão facilmente podemos remontar ao tempo dos senhores coloniais.
Essas questões são inteiramente pertinentes para entendermos de forma mais abrangente o fenômeno funk, e reconhecermos as relações de poder quando tal assunto é abordado na mídia, nos apartamentos da classe média alta, ou nos barracos das comunidades mais pobres.
Referencias:
• Música e Democracia, José Paulo Paes in Cultura Brasileira – Temas e Situações; Alfredo Bosi (org.) 4ª Ed., 2003 – Editora Ática, São Paulo;
• História da Sexualidade I – A Vontade de Saber, Michel Foucault, 6ª Ed., 1985 – Editora Graal, Rio de Janeiro.
Adriano José.