terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Na Contra-Mão Da MPB



Existe um crivo, uma imposição, quando se fala de música e cultura em nossa sociedade. Esse crivo é um tanto quanto falacioso, e se encontra sob a sigla MPB (Música Popular Brasileira). “(...) a MPB se tornou um produto estético capaz de atender ao paladar mais discriminativo da intelligentsia de hoje”.
Não é de hoje que essa relação de poder – se entendermos que existe uma supremacia cultural entre MPB e o que é realmente popular em termos musicais – tem sido alvo de sucessivas desconstruções. O cantor e compositor baiano Raul Seixas, em 1974 cantou o seguinte verso em clara resposta ao movimento tropicália:

Eu já lhe disse que eu não tenho nada a ver
Com a linha evolutiva da música popular brasileira
A única linha que eu conheço
É a linha de empinar uma certa bandeira

Hoje, o mesmo Raul Seixas faz parte desse aperitivo para paladares refinados. Isso porque, segundo muitos teóricos de mesa de bar, o período pós ditadura militar não oferece nada para uma manifestação politizada através da música.
No entanto, este fenômeno é acompanhado por um outro bem característico: a falência do instrumento. No Brasil, o funk carioca é talvez o maior exemplo desses dois fenômenos.
Longe de tentar formular aqui uma critica a esse ritmo musical, creio que é necessário entendê-lo como uma manifestação social. Logo, as criticas a essa manifestação ocultam os preconceitos que marcam ainda, de forma tão severa, a nossa sociedade desde a sua formação até os dias de hoje.
O funk, com sua batida eletrônica e sua letra direta, vem confrontar-se à velha moral católica e cristã... Oferece o grito de liberdade aos que vivem sob um regime de exclusão social. Essa primeira analise é sedutora, mas será podemos encontrar algo mais revirando esse apanhado teórico que já virou lugar comum? Qual a genealogia desse ideal de liberdade amoral? O discurso “funkeiro”, com sua bandeira de “violência” e “sexo sem compromisso” não faria parte da mesma rede histórica daquilo que denuncia e chama de repressão, ou seja, a moral católico-cristã que mantém o monopólio do sexo imaculado dentro das representações do casamento, e a violência policial, que tão facilmente podemos remontar ao tempo dos senhores coloniais.
Essas questões são inteiramente pertinentes para entendermos de forma mais abrangente o fenômeno funk, e reconhecermos as relações de poder quando tal assunto é abordado na mídia, nos apartamentos da classe média alta, ou nos barracos das comunidades mais pobres.

Referencias:
• Música e Democracia, José Paulo Paes in Cultura Brasileira – Temas e Situações; Alfredo Bosi (org.) 4ª Ed., 2003 – Editora Ática, São Paulo;
• História da Sexualidade I – A Vontade de Saber, Michel Foucault, 6ª Ed., 1985 – Editora Graal, Rio de Janeiro.


Adriano José.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Link: Dicionário Político.

http://www2.uol.com.br/aprendiz/designsocial/agora/texto_dic.htm

Funk: Imoralidade ou Cultura?




A procura de entretenimento nas favelas, a juventude local, já ha um bom tempo vem aderindo aos bailes funks. Estilo musical que se metamorfoseou em relação as suas origens norte-americanas adquirindo toda uma peculiaridade no Brasil, especificamente na cidade do Rio de Janeiro.
O funk (conhecido também como o soul Funk ou funk de raiz) surge em meados de 1960 originárias dos guetos (bairros negros, regiões periféricas).
Esse estilo musical se desenvolveu através da mistura do soul music, soul jazz e rock psicodélico revelando artistas como James Brown, Marceo Parker e Melvin Parker.
Este mesmo funk vai despejar suas influências no Brasil, trazendo nomes como Tim Maia e Tony Tornado que seguem o modelo americano somado com as peculiaridades da música brasileira.
Na década de 1980 o funk no Brasil já se apresenta completamente desfigurado das suas origens, particularmente nas favelas cariocas. Local onde a população vive a margem da sociedade buscando formas de entretenimento totalmente peculiar e popular. Momento que explodem os grandes bailes funks no Rio de Janeiro.
Músicas repletas de mixagens, dançantes, e com letras que frisam as dificuldades vividas, exclusão social e o orgulho de pertencer àquela comunidade. Próximo a este fenômeno podemos apontar o Rap na cidade de São Paulo.
Os processos de transformação darão diversas fisionomias ao funk carioca, passando desde o funk melody ao funk apologético as drogas e da violência, o chamado e o funk Pornográfico, que vem se destacando nos últimos anos é o que nos debruçaremos a partir deste momento.
Com letras extremamente relacionadas ao ato sexual e tratada de uma forma totalmente desprovida de qualquer juízo de valor, colocando tanto o homem como a mulher apenas como objeto sexual, recheada de palavrões, tem sido já há algum tempo a grande distração dos ouvintes e frequentadores dos bailes ou simplesmente ganhando simpatizantes.
A verdade é que apesar das críticas e do incômodo percebido dentro da sociedade que classifica a modalidade musical como agressão a moralidade e a família, o “funk Pornográfico” vem rompendo fronteiras sociais, descendo das favelas e alcançando todos os pontos e cidades, ultrapassando divisas e superando velhas rixas regionais como a que existe entre o eixo Rio-São Paulo tomando as ruas a ponto de a ostensividade das letras alcançarem um grau de banalidade superando o conservadorismo, não pelas pessoas mais conservadoras aceitarem, mas por se acostumarem com as músicas.
E por que nos incomoda tanto essa ostensividade sexual?
Porque aprendemos nos meios sociais dos quais estamos inseridos a respeitar uma série de normas e condutas que se classificam dentro de um padrão de moralidade pré-concebidas, seja pela religiosidade ou pelo o próprio estado. Partindo dessa recíproca podemos enquadrar o funk pornográfico no Artigo IV do Código Penal que se caracteriza como atentado ao pudor. Ao mesmo tempo, podemos reparar que a mesma ala da sociedade conservadora que apedreja o funk passa os domingos colocando saia curta na filha pequena e pedindo para dançar que nem a dançarina do grupo de axé da televisão ou venerando a beleza nua das passistas das escolas de samba. Sem contar que a publicidade para vender certos produtos utiliza a imagem das mulheres seminuas para consolidar uma sociedade machista, deixando bem clara a posição de cada um dentro dela, independente do valor moral que essa mesma sociedade venha a ter e que já foi aceita como verdade. Nossa sociedade anda dividida entre conservadorismo e hipocrisia.
Mas se buscarmos polemizar o assunto e nos afastarmos de qualquer juízo de valor, não classificando a música como promíscua, safadeza, sem vergonha... Se tentarmos enxergar por outros ângulos e aprofundar um pouco mais a problemática e entendermos por que o sexo ganhou tanta ênfase nos funks, chegaremos à conclusão de que o ser humano como qualquer animal possui instinto sexual. O homem por ser caracterizado como ser racional diferentemente dos outros animais, acaba sendo imposta a condição de controlá-los.
E qual a busca destes instintos sexuais dos seres?
Para responder esta pergunta, podemos apelar para um filósofo do século XIX, o Alemão Arthur Shopenhauer que defende a teoria de que tanto o homem quanto a mulher apesar de se interessarem um pelo outro por uma série de motivos ou afeições externas, a causa intrínseca e inconsciente destes motivos e afeições é única, a perpetuação da espécie, o inconsciente trabalha como uma motivação oculta na busca de um dia obter herdeiros saudáveis. O funk, o baile, o rompimento da moralidade é apenas um sinal do qual o instinto se apropria da arte para concretizar a satisfação da procura deste animal racional.
A questão é que diante deste quadro podemos perceber a música, independentemente do que ela venha a tratar, sendo uma forma de arte que pode romper com as estruturas e diminuindo diferenças e talvez até desconstruindo velhos valores ou simplesmente fortalecendo esses velhos valores ainda mais. E se cremos que a arte é a uma matéria prima cultural e que a cultura se transforma de acordo com a sociedade e vice-versa, uma transformando a outra, podemos afirmar satisfeitos ou não que violento, romântico, proibido ou não o funk carioca é cultura.


Marcelo Albino de Oliveira Junqueira Leite.